sábado, 5 de setembro de 2015

'Não negocio mais', diz reitor após 3 meses de greve sem receber sindicatos

Nota do reitor e do vice, que não receberam os comandos de greve uma única vez em quase 100 dias de paralisação, fala em romper negociações e qualifica atropelamento criminoso investigado pela polícia de 'acidente causado pelos grevistas’

O reitor da Universidade Federal Fluminense, Sidney Mello, emitiu nota na qual diz que está rompendo as negociações com os movimentos grevistas e com os sindicatos de docentes (Aduff) e técnicos (Sintuff). No documento, também assinado pelo vice-reitor, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, eles alegam que não há como negociar após o ato público realizado na quinta-feira (3), nos jardins da Reitoria.

A nota foi divulgada três meses e sete dias após o início da greve de estudantes, técnicos e docentes, período no qual os comandos de greve dos três segmentos não foram recebidos pelo reitor ou pelo vice nem sequer uma vez. Todas as reuniões de negociações, nas quais não houve avanços na pauta interna, foram realizadas com o Comitê Gestor, formado por pró-reitores. 

As ausências do reitor nas negociações, nas reuniões do Conselho Universitário (CUV) e de outras instâncias da universidade vêm sendo criticada pelos movimentos grevistas, que desde o início da paralisação defendem o diálogo com a reitoria e negociações efetivas. "Já são mais de três meses de paralisação sem que o reitor da UFF, Sidney Mello, dialogue com a comunidade acadêmica", diz trecho de carta distribuída pelos docentes no dia da manifestação na reitoria. "Em nenhum momento, ele se posicionou em defesa da nossa universidade, não tendo recebido uma única vez os representantes dos professores, estudantes e técnico-administrativos em greve (...). Eleito para o cargo, transfere o contato com os representantes da comunidade universitária para um comitê criado por ele e sem poder deliberativo", diz mais adiante. 

Reitor critica presença de sem-teto na UFF

A nota do reitor fala em danos ao patrimônio da UFF que não ocorreram, considera 'invasão' o fato de estudantes e professores da UFF participarem de uma atividade nos jardins de uma área que pertence à universidade e identifica homens e mulheres trabalhadoras sem-teto, que apoiaram a manifestação e defendem o direito à moradia e à educação pública, como 'pessoas estranhas à universidade'. 

Tenta, ainda, responsabilizar o movimento grevista pelo atropelamento de três pessoas que participavam do ato (e não quatro, como cita a nota) por um motorista que dirigia um Mercedes e acelerou contra a manifestação no momento em que as pistas da Praia de Icaraí foram bloqueadas por alguns minutos. Policiais que estavam no local chegaram a perseguir, sem sucesso, o veículo. O condutor do automóvel, que segundo testemunhas viu que pessoas estavam na frente quando acelerou o carro, está sendo investigado pela Polícia Civil sob a acusação de 'lesão corporal'. A polícia, portanto, não investiga um 'acidente' e tampouco vê indícios de que foram as vítimas e manifestantes que provocaram o atropelamento, como insinua a nota da reitoria. Todas as três pessoas feridas – um estudante do Serviço Social e duas mulheres do movimento por moradia – tiveram socorro hospitalar, foram liberadas e passam bem. 

Sem evidências de danos efetivos ao patrimônio, a reitoria menciona em nota a pichação de um banheiro. O único utilizado durante a atividade foi um banheiro de serviço nos fundos da reitoria, com instalação elétrica aparente no interruptor, sem papel higiênico e de acesso externo, sem contato com nenhuma outra área do prédio. O mesmo foi indicado diretamente aos participantes do ato pelo pró-reitor de Gestão de Pessoas, Túlio Franco, quando foi informado pelo movimento que a organização do ato trouxera banheiros químicos para evitar usar as instalações da reitoria. Ao final, a nota fala em medidas judiciais: "Rompida a possibilidade de diálogo, caberá à UFF recorrer à Justiça para resolver o impasse e responsabilizar os setores que causam danos ao patrimônio público".

Nota do Comando Local de Greve

Antes do texto publicado pela administração da UFF, o Comando Local de Greve docente havia divulgado nota na qual defendia a legitimidade do protesto e criticava posicionamentos já tomados informalmente pelo reitor pelo Facebook. O texto explica que a atividade foi parte de uma movimentação nacional nas universidades com o objetivo de chamar a atenção do descaso do ministro da Educação, Renato Janine, e de reitores com a situação pela qual passam as instituições federais de ensino superior, decorrentes em parte do corte de cerca de R$ 11 bilhões da educação pública promovido pelo 'ajuste fiscal' do governo Dilma, e da falta de vontade política deles em negociar com os comandos de greve. 

A nota foi postada junto com duas fotos dos jardins da reitoria: na primeira, o ato transcorre com as barracas de lona preta montadas, que simbolizavam as ocupações dos sem-teto na luta por moradia; já a segunda mostra o estado do local após o fim da atividade, sem quaisquer avarias. Por precaução, a reportagem da Aduff fotografou sob vários ângulos o local após o fim da manifestação – a numeração automática da máquina fotográfica permite provar pela sequência que as fotos foram tiradas já com o protesto encerrado. 

"O ato foi muito expressivo, especialmente porque, além de servidores técnico-administrativos e estudantes, os docentes receberam também o apoio de trabalhadores desempregados dos estaleiros de Niterói e do Comperj – do movimento 'SOS Emprego' – e de trabalhadores sem-teto, do Acampamento 6 de Abril, liderados pelo MTST. Esses apoios muito nos orgulham, porque demonstram que a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis, une os trabalhadores da universidade aos demais setores da classe. Demonstram ainda que nossa greve está longe de ser um movimento 'corporativista', ao defender um direito de todos, valorizado em cada fala das lideranças de desempregados e sem-teto que ontem [quinta (3)] se manifestaram nos jardins da reitoria.", diz trecho da nota, que prossegue: 

"A luta pelo emprego, pela moradia, pela educação, em suma, pelos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs brasileiros (as), atacados pelas políticas de 'ajuste' do governo, é uma luta só. Também nos orgulhamos de receber esses movimentos na UFF, porque a universidade é deles (que com seus impostos a sustentam), e por isso teria que ser mais aberta a sua participação como estudantes e deveria estar voltada para suas necessidades, pois constituem a maioria da população brasileira."

A manifestação de quinta-feira (3) terminou ao som de uma banda de forró, com professores estudantes dançando e sem registro de incidentes, fora o atropelamento, denunciado à polícia, ocorrido algumas horas antes. O ato foi organizado pelo Comando Local de Greve docente, com convite a estudantes e movimentos sociais. Embora tenha prestigiado a manifestação, o Sintuff não participou da organização do ato, ao contrário do que a reitoria afirma. 

DA REDAÇÃO DA ADUFF
foto: Faixa estendida durante a manifestação nos jardins da reitoria, no dia 3 de setembro
crédito: Luiz Fernando Nabuco

Abaixo, as notas do Comando Local de Greve docente e do reitor e vice-reitor da UFF:

Nota do Comando Local de Greve docente sobre o ato nos jardins da reitoria da UFF

Na tarde de ontem, quinta-feira, 3 de setembro de 2015, os docentes da UFF em greve realizaram um ato nos jardins da reitoria da universidade, em Icaraí, Niterói. Tratava-se de atividade nacionalmente articulada das Instituições Federais de Ensino em greve, que se realizou no mesmo horário de uma audiência do Andes-SN, entidade representativa da categoria docente, com os representantes do Ministério da Educação. O objetivo do ato era chamar a atenção para o descompromisso do governo federal, e do ministro da Educação, Renato Janine, em particular, em negociar com uma greve que já se estende por quase 100 dias e cuja pauta central é a defesa da universidade pública diante dos cortes no orçamento da educação. Tratava-se também de um esforço para chamar a atenção da comunidade para a réplica do descaso ministerial no interior das universidades, pelos reitores. Na UFF, em particular, o reitor Sidney Mello não se dignou a receber servidores docentes, técnico-administrativos e estudantes, todos em greve, designando subordinados para tratar com os movimentos, sem respostas concretas a suas demandas e negando-se a assumir perante a comunidade o tamanho da crise financeira que a instituição está vivendo.

O ato foi muito expressivo, especialmente porque, além de servidores técnico-administrativos e estudantes, os docentes receberam também o apoio de trabalhadores desempregados dos estaleiros de Niterói e do Comperj – do movimento “SOS Emprego” – e de trabalhadores sem-teto, do Acampamento 6 de abril, liderados pelo MTST. Esses apoios muito nos orgulham, porque demonstram que a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis, une os trabalhadores da universidade aos demais setores da classe. Demonstram ainda que nossa greve está longe de ser um movimento “corporativista”, ao defender um direito de todos, valorizado em cada fala das lideranças de desempregados e sem-teto que ontem se manifestaram nos jardins da reitoria. A luta pelo emprego, pela moradia, pela educação, em suma, pelos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs brasileiros (as), atacados pelas políticas de “ajuste” do governo, é uma luta só. Também nos orgulhamos de receber esses movimentos na UFF, porque a universidade é deles (que com seus impostos a sustentam), e por isso teria que ser mais aberta a sua participação como estudantes e deveria estar voltada para suas necessidades, pois constituem a maioria da população brasileira.


Durante o ato, interrompemos o trânsito em frente à reitoria da UFF por alguns minutos, como forma de chamar a atenção da população para a luta em curso. Faixas, velas acesas e projeções nas paredes dos prédios próximos tiveram o mesmo objetivo. A lamentar profundamente que, durante a interrupção do trânsito, um(a) motorista criminoso(a) avançou com sua Mercedez sobre os manifestantes, ferindo três pessoas – dois trabalhadores do Acampamento 6 de Abril e um estudante da UFF. Todos foram socorridos com o apoio da organização do ato e passam bem, tendo sido liberados do atendimento de emergência ainda na noite de ontem. O ato criminoso de atropelamento intencional será investigado, pois o carro foi devidamente identificado. Os policiais no local se indignaram com o fato e o próprio comandante do Batalhão da Polícia Militar de Niterói, em declaração ao jornal O Fluminense, solicitou às vítimas que prestassem queixa criminal para garantir a apuração do ocorrido.


Durante a atividade, os jardins da reitoria receberam barracas de lona, típicas das ocupações urbanas de terrenos que não cumprem sua função social, feitas pelos trabalhadores sem-teto. No encerramento do ato, esses trabalhadores, docentes, estudantes e demais presentes confraternizaram-se dançando ao som de uma banda de forró nos jardins. Finda a atividade, toda a estrutura do ato foi desarmada e os jardins da reitoria liberados limpos e intactos, como os encontramos.


Não nos surpreendeu que, na manhã do dia seguinte (sexta-feira, 4/09), o reitor da UFF se pronunciasse via Facebook classificando o ato de “baderna” e o movimento de “irresponsável”. Não nos surpreendeu porque Sidney Mello já provou em outras ocasiões quem é o verdadeiro irresponsável nessa situação crítica em que vive a universidade. Irresponsável porque omisso, porque só pode ser visto no Facebook em seus passeios pelo mundo, enquanto a crise atinge a universidade que deveria dirigir, a ponto de o fornecimento de energia ser cortado por falta de pagamento. Irresponsável porque diante dessa situação, ao invés de somar forças na defesa da UFF, como fazem os movimentos grevistas, prefere atacar as greves e minimizar os problemas que deveria administrar. Irresponsável porque não comparece às reuniões do Conselho Universitário, órgão máximo da instituição, omitindo-se de administrar com transparência e democracia um momento de grave crise na instituição.


Também não nos surpreende que classifique como “baderna” um ato que uniu docentes e trabalhadores desempregados e sem-teto. Para a visão estreita e elitista da classe dominante brasileira e da maioria dos que administram o serviço público em seu nome, a presença dos setores mais pauperizados da classe trabalhadora no ambiente universitário e na vida pública em geral é “baderna”. Não percebe, porque não quer e porque não pode, em função de seus compromissos de classe e sua visão pequena da política universitária, que tais movimentos nos dão, a todos na universidade, lições do que é uma forma verdadeiramente democrática de enfrentar as adversidades decorrentes das políticas destrutivas que nos são impostas.


As mesmas redes sociais foram espaço para um assessor da reitoria – Gabriel Vitorino Sobreira –, utilizando-se de informações falsas, tentar difamar o movimento, culpando-o pelos atropelamentos na atividade de ontem. Como sempre fazem os piores defensores da “ordem” que oprime os trabalhadores, tenta culpar as vítimas pela ação do criminoso. E o faz na contramão da própria Polícia Militar, demonstrando a que ponto chegamos na administração central da UFF.


Nós, que temos lutado em defesa da Universidade Pública há quase quatro décadas, sabemos que pessoas como o reitor Sidney Mello e seus assessores só puderam cursar uma universidade pública, gratuita e de qualidade porque nossa luta garantiu esse direito a eles. Essa luta, porém, continuará, até que cada trabalhador e cada trabalhadora, desempregados, sem-teto e todos mais, puderem estudar na mesma universidade e ver seus filhos e filhas nelas também se formando.

Niterói, 4 de setembro de 2015
Comando Local de Greve dos docentes da UFF




















fotos: Na primeira, o ato nos jardins da reitoria, com as barracas de lona montadas; na outra, registro do estado do gramado após o término da manifestação, por volta das 23h



Nota da reitoria, publicada na sexta-feira (4):

UFF rompe negociações com movimento grevista após invasão da reitoria 

Ontem (03/09/15), às três horas da tarde, militantes da Aduff e do Sintuff invadiram o pátio em frente da reitoria. Sem autorização, instalaram banheiros químicos no espaço da universidade, um gerador na calçada, interromperam o trânsito e provocaram um acidente na rua que levou quatro pessoas ao hospital. Os manifestantes, incluindo pessoas estranhas à universidade (como o MTST), danificaram instalações e picharam um banheiro do prédio da reitoria. Tratou-se de um ato de desrespeito e violência, que inviabiliza a continuidade das negociações mantidas pela administração da UFF com estes setores.
Tais ações demonstram de maneira cabal a imaturidade do movimento à frente das greves docente e de técnico-administrativos da UFF e o seu desinteresse em buscar soluções negociadas. Elas deixam claro os impasses de um movimento à frente de uma greve que muito embora pudesse ser justificada pelo corte no orçamento do governo para a educação, por outro lado se arrasta por mais de 90 dias sem uma pauta viável, paralisa a universidade, causando enormes prejuízos à formação dos alunos, em particular àqueles com condição socioeconômica mais vulnerável. E ainda pior, fornece argumentos privatistas àqueles que são contra a universidade pública e autônoma.
A administração da UFF acredita que a verdadeira luta pela universidade pública se faz com as portas abertas, mostrando a sua relevância como agente de educação pública e formação de cidadãos, pesquisa, extensão, e prestação de serviços à sociedade. Rompida a possibilidade de diálogo, caberá à UFF recorrer à Justiça para resolver o impasse e responsabilizar os setores que causam danos ao patrimônio público.

Sidney L. M. Mello - Reitor
Antonio Claudio Lucas da Nóbrega - Vice-Reitor
Universidade Federal Fluminense

10 comentários:

  1. Existe alguma possibilidade dessa greve só acabar no fim do ano, tipo novembro/dezembro?

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  2. Existe alguma possibilidade dessa greve só acabar no fim do ano, tipo novembro/dezembro?

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  3. A reitoria mente em seu texto.
    Mas o grupo grevista não pode manter uma greve que se prolongue de forma indefinida como está e deixa os alunos a ver navios como estamos. Precisamos voltar a estudar. Precisamos voltar as nossas vidas. Essa greve não está prejudicando ninguém a não ser os alunos.

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    1. Concordo. As negociações tem de acontecer, claro. Porém, deixar os alunos, sobre tudo os calouros, a ver navios só reforça o descaso com a educação pública.

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    2. Concordo. As negociações tem de acontecer, claro. Porém, deixar os alunos, sobre tudo os calouros, a ver navios só reforça o descaso com a educação pública.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Não tem nenhuma previsão de quando essa greve vai terminar?

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  6. Já passou da hora de acabar essa greve. Me admira professores não entenderem o problema de se fazer greve em repartições públicas (salvo talvez a Receita Federal). A lógica de greve é afetar os lucros dos patrões. Greve em repartições públicas, sobretudo universidade, não afeta ninguém senão os próprios usuários. Se fosse ano de eleição, até se entenderia, mas nem isso é. Isso é um desrespeito com os alunos.

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  7. Ah, e o reitor pode ter mentido em vários trechos da carta, mas o MTST etc são sim estranhos à universidade.

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