segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Impactos da contrarreforma na educação superior são debatidos em atividade da greve

Em seminário realizado no campus da UFF no Gragoatá, docentes debateram as mudanças e a resistência ocorridas na educação superior no Brasil, Chile, Portugal e Espanha

A contrarreforma na educação superior foi tema de atividade do Comando Local de Greve da UFF realizada no auditório do Serviço Social, no Gragoatá. Os palestrantes apresentaram relatos e experiências das transformações ocorridas e em curso em quatro países - Brasil, Chile, Portugal e Espanha. 

Ao longo de quase três horas, a professora chilena Ximena Soto, o professor espanhol Luís Felipe Rivero Garvia, e as professoras Marina Barbosa e Catharina Meirelles, falaram, respectivamente, sobre como avaliam o que acontece no Chile, Espanha, Brasil e Portugal. A atividade ocorreu na tarde de quarta-feira (19).

Aspectos comuns a boa parte dos relatos – mesmo que com ritmos, tempos e características diferenciadas – foram a tentativa de maior controle sobre a produção acadêmica, o direcionamento das pesquisas para as demandas mercado, o favorecimento da expansão privada e a precarização do trabalho docente.

"Minha fala vai ser triste porque triste é a contrarreforma na educação", disse Ximena Soto, ao iniciar a sua exposição. "Meu país é um laboratório do [modelo] neoliberal", afirmou, ao assinalar que as mudanças foram precoces no sistema educacional chileno em relação a outros países. Ela relatou o processo de privatização das universidades chilenas, após o início da ditadura que dominou o país a partir dos anos 1970.

Sem concurso

As mudanças no ensino superior em Portugal a partir da aplicação do "Tratado de Bolonha" foram abordadas pela professora Catharina Meirelles, do Departamento de Psicologia da UFF em Volta Redonda, que estuda as formas de resistência docente ante o impacto das reformas do ensino superior no Brasil e em Portugal. Ela discorreu sobre o avanço do setor privado, que hoje responde pela maior parte das vagas nas universidades. Disse ainda que a precarização aumenta na medida em que há dez anos não se repõe mais as vagas de docentes efetivos. "Os professores se aposentam e não entra mais ninguém, não há reposição. E o que eles estão fazendo como alternativa é contratar os chamados professores visitantes, que para nós seriam os professores substitutos", disse. 

Outro aspecto destacado por ela é a adoção de processos contínuos de avaliação de desempenho. "Há imensas avaliações. [Os professores] são avaliados o tempo todo. Entretanto, a avaliação de desempenho tem apenas caráter punitivo, se o professor não for bem avaliado ele vai passar por uma auditoria e ele pode ser dispensado se não for efetivo", disse.

Público x privado

O professor da UFF Felipe Rivero Garvia, do Instituto de Matemática, disse que a lei da educação aprovada em 2001 na Espanha foi um divisor de águas no ensino superior espanhol, com a transferência do financiamento das universidades do governo central para os estaduais e adoção da prática de captação de recursos privados, o que resultou no fim da gratuidade dos cursos oferecidos. "Abriu as portas para que as universidades tivessem investimentos privados. E as universidades, os estudos, as pesquisas se voltaram mais para o interesse das empresas privadas", afirmou.

A professora Marina Barbosa, ex-presidente da Aduff-SSind e do Andes-SN, que hoje se encontra na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, avaliou que tudo o que se estava dizendo no seminário permitia duas constatações: "Estamos todos no mesmo barco, a despeito de países do chamado primeiro mundo e dos países que estão abaixo da linha bonita; e que todas as coisas que são aqui trazidas têm os mesmos determinantes", disse. "Uma conexão fundamental é a reforma do estado, a crise do capital e a política educacional. Eu identifico como determinante central a crise de rentabilidade do capital", analisou. 

Nos últimos 30 anos, disse, o Brasil se insere como um sujeito que viabiliza as melhores condições para o mercado privado. "O Brasil não é sócio nesse processo e disputa duramente o título de melhor empregado do mês", disse. Marina, no entanto, também ressaltou como contraponto a resistência coletiva que estudantes, técnico-administrativos e docentes fazem a esse processo, que tem como exemplo a greve em curso na educação pública federal no país. 

A professora Eblin Farage, do Serviço Social da UFF e do Comando Local de Greve, que coordenava a mesa, avaliou ser um desafio comunicar aos colegas professores que o que se está vivendo na educação no país, como os palestrantes expuseram, é parte de um processo mais amplo. "Por vezes, parece que é uma retórica de militante falar que hoje mais do que nunca o que está em jogo é o projeto de universidade. O percentual de aumento [salarial] é importante, mas mais importante do que o percentual de aumento é a gente não perder o projeto de universidade que a gente defende", disse. 

Para Eblin, o debate mostrou até onde é possível se chegar com a materialização do 'Tratado de Bolonha'. “As últimas ações do governo federal talvez sejam a parte final da contrarreforma do ensino superior no Brasil, como a contratação [ de professores por meio] das OS [organizações sociais]. A educação hoje é mercadoria essencial para o capitalismo", disse.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Foto: Seminário realizado no auditório do Serviço Social, no Gragoatá
crédito: Luiz Fernando Nabuco/Aduff

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